domingo, 24 de abril de 2011

Sidónio Pais em Santarém | 11 Março 1918 | Ilustração Portugueza






O Presidente da República Sidónio Pais deslocou-se a Santarém no dia 11 de Março de 1918. Passeou pela cidade. Prestaram-lhe vassalagem e voltou feliz para Lisboa no final do dia. Seria assassinado a 14 de Dezembro desse ano.

domingo, 3 de abril de 2011

Duas Necrópoles, Um Largo, 639 Corpos


Foto de António Matias
6 - 3 - 9! 639! Seiscentos e trinta e nove! Este foi o número de corpos exumados no Largo Cândido dos Reis, durante os trabalhos arqueológicos que decorreram de 12 Julho de 2004 a 30 Setembro de 2005.
Para além de um cemitério cristão, foi igualmente descoberta aquela que é considerada a maior necrópole muçulmana do País.
Os resultados foram revelados o ano passado durante umas jornadas de Arqueologia, que tiveram uma média de oito assistentes por sessão. Foi divulgado na altura pela imprensa local, e foram publicados dois extensos artigos do arqueólogo António Matias numa revista da área. Foi editada pela Câmara de Silves, tem mais de mil páginas e sai uma vez por ano. Na Biblioteca Municipal de Santarém existem ainda dois pequenos livros, editados como separata, com os mesmo textos. Está lá tudo!No Largo, nada!

sábado, 2 de abril de 2011

Jorge Custódio: A Transmissão Da Herança Da Memória Histórica

 
O historiador Jorge Custódio voltou a Santarém para falar de património cultural e como transmitir essa herança às gerações futuras. Um regresso saudado pela assistência, que encheu a sala Virgílio Arruda, na Biblioteca Municipal. Inevitavelmente, falou-se também da candidatura a património mundial

“O problema do património tem sido encarado do ponto de vista da herança que recebemos dos nossos antepassados, e não da sua transmissão para o futuro”, admitiu Jorge Custódio, historiador, durante o encontro dedicado ao ‘Património Cultural: passado, presente e futuro”, realizado no passado dia 7 de Fevereiro. A acção contou também com intervenções de responsáveis por questões culturais ligadas a Santarém, presentes na iniciativa ‘Primeiras Segundas, conversas leves, temas de peso’, promovida mensalmente pelo núcleo do Museu Municipal de Santarém, em conjunto com a Câmara local.
Embora o académico reconheça que o interesse suscitado por questões ligadas ao património seja relativamente recente, existindo sensivelmente desde os finais do século XVIII e início do XIX, “temos de estimular o pensamento sobre o que aconteceu. Afinal, o passado trata da apropriação dos valores morais que a um tempo nos foram transmitidas”, realça.
“A ideia de património tem a ver com o homem sabedor e experiente”, é algo “a acrescentar à cultura que temos”, frisa ainda. Dado que o conceito de património engloba actualmente “o tangível e o intangível, a cultura material e a imaterial”, importa sobretudo encontrar a forma indicada de “proceder à transmissão da herança histórica que nos é legada”. Um problema que se arrasta desde a pré-história, assegura o historiador.
Jorge Custódio diz valorizar “mais a transmissão do que a própria herança” patrimonial, pois esta é algo “que é necessário agarrar, que faz parte da nossa vida”, aponta. Enquanto, no que diz respeito à herança, “recebo o que me interessa, rejeito o que não interessa”, reconhece. Por isso, continua, “não podemos esquecer a importância dessa mesma transmissão para a geração actual, e para todas aquelas que a vão receber no futuro”, argumenta ainda.

Restaurar e conservar
Com a humanidade a atravessar um processo de globalização, sem precedentes na história, “todo o conhecimento é hoje colocado facilmente à nossa disposição”, existindo “inventários informatizados que disponibilizam objectos essenciais para a compreensão do mundo”, diz Jorge Custódio. No entanto, toda essa informação nada contribui para a preservação do património cultural, caso não exista uma sensibilização para o valor civilizacional que a herança histórica acarreta.
A informação chega-nos em tempo real, e os atentados ao património por esse Mundo fora são divulgados quase de imediato. Casos recentes: as pilhagens selectivas no Egipto, tanto no Museu do Cairo, como em outros locais de interesse histórico; ou o saque generalizado ao Museu de Bagdad, no Iraque, em 2003. No Afeganistão, dois anos antes, assistimos impávidos à destruição dos dois gigantescos Budas de Bamiyan, pelos radicais islâmicos, vulgarmente designados como taliban, ou estudantes de teologia.
Apesar destes crimes, as palavras “política de salvaguarda são hoje o léxico do património”, salienta Jorge Custódio, embora afirme ser necessário “ encontrar uma forma de fazer com que a nossa herança permaneça e dure”, face às ameaças que o presente representa.
O problema é complexo, dado o risco de se perder gradualmente a identidade e a memória histórica acumulada ao longo dos séculos. Para contrariar essa tendência, o historiador aponta a necessidade de se “investir na educação e apostar na formação”, como possível forma de contornar esta situação.
Ainda no século XIX, foram dados passos positivos nesse sentido, “quando se deu a descoberta do restauro”, atitude que indicava uma “mudança na sensibilidade da sociedade, face ao património e à necessidade de se preservarem os vestígios que a história nos legou”. Situação que permitiu ao homem “alcançar uma visão histórica do passado que ficou para trás”, garante.
Ainda assim, o historiador lembrou que “o restauro e a conservação do património são acções contínuas no processo humano. É impossível qualquer relíquia sobreviver sem curadores” que guardam e protegem esses objectos de uma sociedade.

Incultura patrimonial
Para Jorge Custódio, outra das ameaças para a preservação dos bens históricos, prende-se com a chamada “incultura patrimonial”. Manifesta-se, sobretudo, quando ”a herança não foi bem recebida” e leva à adulteração de edifícios de valor histórico. Como exemplo, apontou a substituição das janelas do edifício da Sé Patriarcal de Santarém, alvo de uma recente intervenção que alterou definitivamente as características originais do velho monumento.
Contudo, há sinais positivos, como “a ascensão da investigação”, ocorrida nos últimos anos. Contribuiu para que o património seja actualmente visto como “uma ciência, com a sua própria técnica, ética e deontologia”, e um importante instrumento, “económico e social, para que o futuro conheça melhor os seus bens”, indica.
Apesar de ter sempre encarado qualquer projecto de investigação “como se fosse uma alma”, o estudioso, relembra que “só há alguns anos é que o património construído pela sociedade passou a ser considerado como um recurso cultural essencial”.
Há ainda muito por fazer neste campo, sobretudo porque “existe hoje a ideia de que o presente é o que interessa. E onde fica o passado? Onde fica a herança?”, questiona.

Santarém, ainda e sempre
Jorge Custódio, historiador e museólogo, nasceu em Santarém, em 1947, cidade onde dirigiu, entre 1994 e 2002, o projecto municipal de candidatura a património mundial. O plano original, que incluía apenas o centro histórico da cidade, acabaria por ser estrategicamente retirado para reformulação, após conselho da comissão nacional de acompanhamento da UNESCO. A área a classificar passou a contemplar a paisagem cultural envolvente, com a lezíria e o rio Tejo em destaque. O dossier, com a segunda versão da candidatura, foi entregue às entidades nacionais em 2001. Aguarda uma decisão e a consequente resposta desde essa altura.
Inevitavelmente, o tema surge sempre que o historiador se desloca à cidade. Custódio recordou que, acima de tudo, tentou-se “uma regeneração a nível urbano”, mas lamenta que a cidade tenha tido “um projecto muito curto no tempo, que se desenvolveu à volta da candidatura a património mundial”. Advoga, por isso, que o plano estabelecido devia ter prosseguido “para que melhor se preservasse a identidade” do lugar.
Para Graça Morgadinho, antiga vereadora da cultura da Câmara de Santarém, é necessário continuar a “implementar programas com os quais se consigam sensibilizar os jovens para a importância cultural dos monumentos da cidade, e da sua própria identidade”, sugere. Afinal, continua, “só se conhece um fundamento de um espaço, quando se ama esse espaço, sem o vandalizar”. No entender da antiga responsável pela cultura local, “demos à juventude uma sensação de identidade, uma sensação de pertença muito maior”, só que, entretanto, “houve um divórcio muito grande do cidadão em relação à sua cidade”, alegou.

Incúria e abandono
Para a historiadora Maria Emília Vaz Pacheco, ex-presidente da Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-cultural de Santarém (AEDPHCS), é preciso sensibilizar os cidadãos e os políticos para combater “a incúria e o abandono”, em que se encontram muitos centros históricos das cidades portuguesas.
Em Santarém, à semelhança de outros pontos do País, Jorge Custódio lastimou o desinteresse manifestado pelas autoridades, relativamente ao estado de deterioração em que se encontra grande parte do património histórico herdado. A degradação verificou-se, sobretudo, após o 25 de Abril de 1974, pois - para além dos atropelos à liberdade política e de expressão - “o Estado Novo deixou-nos uma cidade ainda apresentável”, defendeu Maria Emília Pacheco.
Graça Morgadinho frisou a dificuldade em preservar o património sem meios monetários. “Como se dignificam os centros históricos das cidades, se os proprietários não têm dinheiro para restaurar e conservar?”, indagou. “Tem de se criar uma sensibilidade que não existe a nível nacional”, visto que “no que toca ao património leva-se muito tempo a decidir as coisas”, acusou ainda.
Como possível fonte de receitas, Emília Vaz Pacheco apontou o turismo e o seu papel na “sociabilização do património”, algo que começou cedo a nível europeu, mas muito tarde em Portugal.
Com o gradual esvaziamento dos centros históricos, registado nos últimos anos, a paisagem cultural das cidades foi completamente alterada. Verificou-se que “as pessoas optaram por viver em não-lugares, por vezes até com melhores condições de vida”, admite Jorge Custódio, referindo-se aos subúrbios urbanos que rodeiam muitas cidades do País.
Revitalizar os núcleos históricos não é transformá-los em museus a céu aberto. É essencial chamar novamente os habitantes, de forma a recuperar a envolvência humana e a animação dos tempos modernos, embora preservando os valores do passado.
Para a reabilitação urbana dos centros históricos, é fundamental, por isso, “mobilizar as cidades para uma acção de valorização dos seus recursos patrimoniais”. É necessário criar condições de habitação para os moradores, pois, “quando se perdem os cidadãos, a cidade cai. A identidade desaparece, volatiliza-se no ar”, já que esta depende das pessoas e da sua memória. Apesar disso, o historiador acautela para a necessidade de fazer uma distinção entre a memória e a identidade, ainda que ambas se encontrem inevitavelmente ligadas.

Pioneiros escalabitanos
Dado que “as questões do património estão sempre associadas a atitudes sociais”, Jorge Custódio aponta o abandono como uma das principais atitudes que têm ocorrido, juntamente com a destruição ou o vandalismo.
No caso particular de Santarém, é longa a tradição de tentar proteger e preservar a herança histórica. Logo no início do século XX, levantaram-se diversas vozes em defesa do património local. Na época, foi mesmo constituída uma comissão de salvaguarda dos monumentos antigos da cidade. Simultaneamente, lutava-se pela implantação de um espaço museológico condigno, local onde seriam reunidos os artefactos e vestígios arqueológicos recolhidos ao longo dos anos, e até aí dispersos por diferentes locais.
Inicialmente, previa-se instalar o futuro museu regional de Santarém na Igreja do antigo convento de Santa Clara. Apesar de aprovado a nível governamental, em plena Assembleia da República, em 1919, o plano traçado acabaria por não avançar. Face à Concordata com a Santa Sé, o executivo do Estado Novo devolveu à igreja católica o controle da Igreja de Santa Clara, que desde essa altura acolhe apenas o culto religioso, embora muito esporadicamente nos últimos anos.
Para além do vandalismo a que Santarém foi sujeita ao longo dos séculos, Emília Vaz Pacheco, recordou ter sido precisamente aqui que nasceu “um pioneiro movimento de cidadania, inédito a nível nacional, empenhado na defesa do património edificado”. Viria mesmo a inspirar a criação de outros grupos dedicados à defesa de questões patrimoniais, que se multiplicaram pelo território nacional. Aliás, as directrizes instituídas pela associação sedeada em Santarém, serviram de base à redacção dos estatutos adoptados, tanto por grupos privados, como por entidades oficiais.
Jorge Custódio esteve ligado à fundação das primeiras associações de defesa do património, a partir do início dos anos 1980, altura em que foi convidado a participar numa campanha nacional de defesa do património cultural. Ao abrigo desta sensibilidade, lembra que “conseguimos com muita dificuldade grandes passos em redor da história do património”, mas “agora destruiu-se tudo isso” queixa-se.

Ao serviço do património
Especialista em arqueologia e património industrial e mineiro, Jorge Custódio esteve envolvido em intervenções arqueológicas, bem como projectos e programas destinados a museus de cariz industrial e mineiro. Entre várias áreas de intervenção, desenvolveu acções em indústrias têxteis, do vidro, do ferro, da cortiça, das conservas ou ainda do gelo natural.
Neste âmbito, coordenou a montagem do Museu do Cimento de Maceira-Liz ou o projecto do Museu do Tempo em Santarém, instalado na Torre das Cabaças. Colaborou igualmente na criação do Museu dos Lanifícios na Covilhã, no Museu da Fábrica de Rolhas de Cortiça do Inglês em Silves. Recentemente, foi o responsável pela exposição 100 Anos de Património, Memória e Identidade, Portugal 1910-2010, que esteve patente Palácio Nacional da Ajuda.
Após a extinção do projecto autárquico escalabitano, Jorge Custódio, doutorado pela Universidade de Évora e quadro superior do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), dirigiu o Convento de Cristo, em Tomar, até 2007, altura em que foi nomeado como primeiro director da Fundação Museu Nacional Ferroviário Armando Ginestal Machado, sedeado no Entroncamento.

Novos patrimónios
Jorge Custódio considera ser estimulante a ideia da musealização de objectos vulgares. Atento aos vestígios do desenvolvimento da humanidade, aponta o património cultural e industrial como testemunha da evolução colectiva dos homens.
Sobre o seu mais recente cargo, explica ter sido encetada, a nível nacional, uma reestruturação que implicou uma completa reformulação do conceito dos núcleos museológicos, espalhados pelo País. “O museu está a remodelar-se e os núcleos serão uma expressão da filosofia que o Museu Ferroviário está a desenvolver”, declara.
Ao abrigo desta mudança e reconversão, o Núcleo do Museológico da CP, na estação ferroviária da Ribeira de Santarém, irá reabrir com uma exposição centrada na história da linha do Leste. Entretanto, duas das composições que integravam o espólio deste núcleo, – a carruagem real e o comboio presidencial – que se encontravam em condições precárias de conservação, foram deslocadas para o Entroncamento, onde permanecem ainda, muito embora já tenham sido devidamente restauradas.
Para Jorge Custódio existe todo um conjunto de novos patrimónios para estudar, organizar e expor ao público. Em nosso redor encontramos facilmente vestígios desses sinais, que constituem os novos patrimónios. Num contexto alargado, o historiador inclui igualmente, minas, fábricas, arqueologia industrial ou unidades de lanifícios, por exemplo. Afinal, considera, “património tangível, é o património do futuro. Há novos objectos a nascer” todos os dias, congratula-se.
Em Portugal, o interesse pelo património e pela arqueologia industrial começou, sobretudo, nos anos 1980, quando alcançou estatuto de interesse cultural para a investigação histórica. Lá fora, terão sido os ingleses, após a II Guerra Mundial, que chamaram a atenção para este novo tipo de património. Passaram a olhar para objectos de uso quotidiano e instalações industriais, sob uma perspectiva de interesse histórico. Objectos, até aí considerados comuns, começaram a ser encarados sob o ponto de vista do seu interesse patrimonial.
Apesar de reconhecer que Portugal “apresenta projectos tardiamente”, o historiador assegura que, por vezes, surgem bons exemplos. A Cimpor, Cimentos de Portugal, é uma prova desta nova atitude face ao património industrial. As suas instalações, em Alhandra, vão ser brevemente classificadas como património, e até já existe um museu, cuja entrada é um antigo forno.