quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Museologia e Património Cultural: Aprender a animar para divulgar

Santarém tem um novo espaço de debate, para discutir temas relacionados com a museologia e o património cultural. Cada encontro terá lugar na primeira segunda-feira de cada mês, tendo sempre como convidado um orador ligado aos assuntos abordados.

“Temos que tornar acessível o espólio dos museus ao maior número possível de pessoas”, esta foi uma das reflexões saídas da palestra “Animar ou educar? Estratégias e aprendizagens não formais”, tema desenvolvido por Sílvia Madeira, da Escola Superior de Educação de Santarém.
Outra das principais conclusões saídas deste encontro, apontou no sentido de ser necessário, acima de tudo, investir na formação de profissionais de museologia, uma situação de carência que se regista de norte a sul do país.
Aos técnicos de museus cabe hoje em dia captar a atenção dos visitantes para o legado histórico, ou não, que têm sob a sua responsabilidade. Nesse sentido, algumas das medidas sugeridas consideram ser urgente a criação de iniciativas de carácter cultural ou lúdico, que possam contribuir para chamar a população a participar neste tipo de actividades.
No entanto, nada disso surtirá efeito sem a elaboração de um eficaz plano de acção, destinado a ser aplicado de forma coerente em todas as iniciativas que se pretendam vir a desenvolver. Será este o tipo de animação que se deseja incrementar futuramente como prática comum, visto que animar, definitivamente, não é sinónimo de brincar.

Problematizar a museologia
Como primeira personalidade convidada, a professora Sílvia Madeira falou no âmbito da iniciativa “Primeiras Segundas, conversas ligeiras para temas de peso”, promovida pelo Núcleo do Museu Municipal e Património Cultural da Câmara Municipal de Santarém (CMS). A conversa inaugural teve lugar no passado dia 3 de Janeiro, no Auditório Virgílio Arruda na Biblioteca Municipal de Santarém. A estreia foi relativamente animadora, com uma sala composta por uma assistência constituída, sobretudo, por profissionais do sector e estudantes de cursos de animação cultural.
Segundo a organização, espera-se que estes encontros contribuam para, “em ambiente informal, problematizar uma série de temas relacionados com a museologia e o património cultural”. Pretende-se, acima de tudo, criar uma dinâmica que consiga captar e envolver a população, fazendo destas reuniões uma plataforma de debate, que sirva para chamar a atenção para toda a problemática relacionada com questões de âmbito cultural e patrimonial.

Chamar o público
Um dos temas em foco nesta primeira sessão foi tentar saber qual a forma mais indicada para motivar e cativar a população, para que esta se sinta tentada a visitar os equipamentos culturais disponíveis nas suas localidades, sejam bibliotecas, museus ou monumentos.
Para Sílvia Madeira é urgente “conseguir motivar o maior número possível de pessoas”, captando o interesse da população, enquanto se procura encontrar a melhor forma de sensibilizar e distinguir os diferentes tipos de público, sejam crianças, adolescentes ou adultos.
A especialista não defende o incentivo como forma de captar público, “caso este seja feito de forma isolada. Pode oferecer-se, por exemplo, um balão desde que esse objecto esteja directamente relacionado com uma acção em que as crianças participem” no interior do próprio museu.
Luís Mata, coordenador do Núcleo de Museu e Património Cultural,“falta sobretudo oferecer e implementar os museus como mais um elemento das famílias”, além de ser necessário “convencer os professores a formarem parcerias” com estas instituições. Verifica-se que as saídas programadas para qualquer ano lectivo, deparam sempre com limitações e “outras prioridades que se sobrepõem, como uma ida às piscinas”, por exemplo.

Três portas para a educação
Partindo do princípio de que “para motivar é necessário saber gerir” os conhecimentos adquiridos, Sílvia Madeira considera existirem três passos – ou portas - essenciais para definir os factores de aprendizagem de qualquer processo, podendo este ser formal, não formal ou informal.
Uma primeira porta implicará sempre a criação de “um mapa que funcione como um plano educativo”. Nesse sentido, lembrou que “hoje em dia as autarquias possuem um plano educativo local, sob um grande chapéu que define objectivos em relação à educação” e à forma de gerir os recursos disponíveis. Lamentou, no entanto, que os “planos educativos mudem em função da população e da cor política” de cada autarquia.
A segunda porta prende-se com a animação e a escolha de estratégias e metodologias a adoptar. Apesar de a animação ser uma aprendizagem não formal, existem contudo “custos consoante o meio escolhido”. Afinal, “animar é tornar interessante”, mas para isso são necessários recursos financeiros que permitam que as iniciativas apresentadas atinjam os objectivos pretendidos.
Para esta professora, “animar é uma forma estratégica de educar” ainda que estas mesmas estratégias possam ser uma “lâmina de dois gumes, que cortam para os dois lados”, caso não sejam convenientemente implementadas e geridas.
Finalmente, a terceira porta diz respeito à aprendizagem, já que “a formação dá-nos o conhecimento”, admite Sílvia Madeira. Reconhece, no entanto, que “a péssima escolarização desenvolvida durante décadas” conduziu-nos a uma situação “com grandes custos económicos e sociais”, que nos mantém na cauda da União Europeia, em termos de desenvolvimento social e cultural.

Animar como forma de vida
Qualquer forma de animação terá de passar, inevitavelmente, pelos chamados agentes culturais ou educativos, cuja função “é transmitir todos os aspectos” envolvidos nas suas áreas de intervenção, pois “o público deve poder escolher, e para poder escolher deve estar informado”.
Acrescenta ainda que “um agente cultural sem pessoas para gastarem e consumirem a cultura não existe” pura e simplesmente. Além disso argumenta que os agentes envolvidos terão de ser cada vez “mais pró-activos” para conseguirem captar o público.
Apesar de uma aparente banalização da área da animação, Sílvia Madeira considera que “não se pode ser animador de qualquer a maneira, pois a animação exige uma mínima formação”. Nesse sentido recorda que “a animação é uma área ainda recente no país” dado que “a primeira geração de animadores foi formada através de cursos ministrados após o 25 de Abril de 1974”.
Acima de tudo, realçou, “os agentes educativos têm a obrigação de serem mediadores da população em geral, sobretudo porque não vivemos num país com uma apetência educativa e cultural muito grande”.

Cultura como bem comercial
Apesar da recente e gradual criação de uma rede nacional de auditórios e do surgimento de novos espaços museológicos, Sílvia Madeira alerta que “não basta dizer que existem espaços culturais”, pois estes locais “devem ser publicitados”, embora continuem a faltar “orçamentos para a comunicação e a divulgação”. Para além disso é igualmente necessário definir uma estratégia coerente, visto que “há formas de divulgar que não chegam a parte nenhuma”, assegura.
Definir um rumo que vá de encontro aos objectivos pretendidos implica a adopção de medidas acertadas, já que “não podemos defraudar o espaço para o qual estamos a trabalhar”, mas antes “tornar cada espólio o espaço de toda a gente”, frisa.
A mesma docente defendeu ainda que “a cultura deveria ser vendida enquanto um bem comercial”, embora reconheça que para algumas pessoas isso é “quase um sacrilégio”. Aliás, continua, “a ideia de que cultura é para toda a gente é algo recente”, tal como os esforços para “atrair público para as instituições”, pois anteriormente todas as acções tinham como fim último o de conservar o património existente. Algo impensável nos dias que correm, onde as instituições tentam por vários meios chamar os visitantes, de forma a justificar a sua própria existência enquanto espaço de conhecimento e partilha de saber histórico, ou simplesmente lúdico.

Guardiões de memórias
Para Luís Mata, as autarquias têm a “obrigação social” de estar ao “serviço das populações”. E para isso contribui o perfil de qualquer profissional de museologia, cuja “função enquanto guardião é contribuir para a construção da memória colectiva”.
No caso particular da História local, este técnico reconhece que ainda é longo o caminho a percorrer, até conseguir levar os munícipes a acreditar que esta não é uma ciência definitiva, estanque, isolada em compartimentes selados e imutáveis. Outros estudos podem apontar noutro sentido, mas muitas vezes nesse trajecto surgem obstáculos, quase incontornáveis, como a chamada “memória induzida”, segundo a qual somos compelidos a acreditar que aquilo que conhecemos possuiu sempre a mesma forma com que chegou até nós, sobretudo no que diz respeito ao caso do património histórico material ou imaterial. Não é fácil contrariar essa tendência, visto que as pessoas têm a propensão de acreditar naquilo que sempre lhes foi contado pelos seus antepassados como sendo a verdade histórica.
Para Luís Mata, essa resistência popular surge como um dos maiores entraves à construção da História local, dificultando o trabalho de investigadores que retiram do baú das memórias novos factos que permitem uma outra leitura e interpretação do conhecimento histórico. Dada esta oposição, cabe aos técnicos tentar encontrar a melhor forma de sensibilizar a população, sugerindo uma orientação diferente, face a conclusões que possam ter surgido, com base na interpretação de novos estudos efectuados por historiadores.
Para terminar, Sílvia Madeira deixou no ar a questão de se saber “porque é que as pessoas da cidade de Santarém não vêm ao museu ou à biblioteca?”, sobretudo quando se sabe que “a disponibilidade de tempo é uma questão afectiva”, já que se consegue sempre encontrar tempo para aquelas coisas que mais gostamos de fazer.

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